sábado, 27 de dezembro de 2008

O piscar do fim de mais um ano




O piscar das luzes de Natal não cansam em alertar meus olhos que mais um ano chega ao fim. Logo duas coisas tornam-se inevitáveis: a reflexão sobre este e a procura por uma agenda para o próximo.

A questão da agenda foi resolvida em uma ida “rápida” à papelaria pouco antes do Natal. O dilema “essa ou aquela?” demorou cerca de uma hora. Já a reflexão sobre o ano que ainda respira, embora ofegante, se desenrola há dias. O começo está em um rascunho em letras de beleza duvidosa. Mas de que foi um bom ano para mim, disso não tenho menor dúvida. Infelizmente o mesmo não pode ser dito sobre aqueles com quem possuo convivência diária, principalmente para os responsáveis por eu estar aqui nesse mundo.

Entre descobertas e infantilidades, fui obrigada a assistir o que já me recusava há tempos: uma novela. Infelizmente real, e envolvendo os que me geraram. O curioso é não haver mocinha, vilão e final, nem mesmo infeliz. Embora infelicidade é o não falte nessa história que continua a se desenrolar no quarto ao lado.

A primeira metade do ano também foi um tanto complicada para aquele com quem compartilho todas as minhas receitas vegetarianas. O medo das mudanças, até mesmo as previsíveis, faz mal para qualquer um. Mas como ser qualquer um é o que ele não é, foi impressionante vê-lo transformar o que seria ruim em bom. E assim assisti a outra metade do seu ano ser bastante doce, exatamente como os corações de abóbora com que fui presenteada por ele certa vez.

Apesar dos três personagens dos fatos descritos acima sejam bem próximos, confesso que minha rotina e humor não foram muito alterados com tais acontecimentos. Não é egoísmo, é uma indiferença necessária para a manutenção da paz interior. Entretanto, ser indiferente não foi possível quando tive encarar minha “questa” com a saúde debilitada, já com o ano pra terminar, exatamente no dia seguinte em que entrei de férias na faculdade. Ver aquela que era, e continua sendo, sinônimo de força e coragem, necessitando de ajuda para executar coisas simples, como andar e levantar da cadeira, não foi nada fácil. Meu emocional despedaçou-se. A tristeza tranformou-se em mau humor e cansaço físico. Felizmente, com todas as providências tomadas, e muito pensamento positivo (também chamado de fé por alguns), sua saúde e todo o resto começa agora a voltar ao normal. Inclusive o melhor presente de Natal veio dela: a própria independente em casa, sem ajuda de ninguém, durante a manhã do dia 25.

E depois de todos esses relatos, quem me lê deve-se perguntar: Onde está o "bom ano" mencionado no início do texto? Sim, particulamente e sendo até um pouco egoísta, foi bom mesmo. Arrumei meu primeiro estágio, e depois o segundo. Adquiri equipamentos fotográficos novos. Estou cada vez mais satisfeita com a faculdade. Tive minhas primeiras fotos publicadas. Ganhei meu primeiro dinheiro na profissão que escolhi. Encontrei com as minhas duas maiores amigas quase todas as semanas. Apaixonei-me ainda mais por quem já era apaixonada. Tornei-me mais fã de Novos Baianos. Eu e meu vô construímos uma cumplicidade pela qual tenho muito orgulho. Comprei muitas bolsas (sim, futilidades também proporcionam pequenas, mas que não deixam de ser alegrias). Escrevi muito (o caderninho de bolinhas acabou!). Fui à praia. Bebi muitas Itaipavas, mates com menta e Boemias. Fui diversas vezes no Bar do Zé e no Trombada. Passeei muito pelo Centro do Rio nos fins de semana. Fiz poucos, mas belos passeios por Santa Teresa. Fotografei bastante o que mais gosto: flores. Assisti filmes que me emocionaram ( um documentário sobre parto natural e outro sobre o furacão Katrina) e shows que me encantaram ( Maria Bethânia, Madeski Martin & Wood e o último da Relics). Também senti encanto ao ler o "Água Viva" da Clarice. Almoçei todas as segundas, quartas e sextas com a vovó. A Vermelissa voltou a passear por aí. Enfim, nada de espetacular, mas quem disse que a felicidade é um espetáculo? Para alguns pode até ser, mas pra mim é acordar com a cara amassada ao lado de outra cara amassada, pegar o celular pra saber das horas e constatar que tem uma chamada perdida da Vovó. Ligar e ela me dizer que está me esperando pra almoçar. É dessa forma que abro então meu sorriso mais sincero, e são desses que quero para no próximo ano, afinal neste que termina compreendi definitivamente que são nesses fatos corriqueiros que sou mais feliz.

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Amém sem acento




Prezo pelo bem
Também rezo
Mas confesso
Não sou de dizer
Amém!
Fazer é o verbo
pelo qual tudo vem.
Então faço, quase não peço.
E quando peço
é pelo o que faço.
Assim até pro além
fica mais fácil.


Foto: Luiz André Mendonça Bezerra

Poesia matinal




Um mar grande
e cintilante pelo sol
é a poesia matinal
que me permiti assistir
exatamente quando
pus meus chinelos
ainda me questionando
sobre o inverno
que um teto faz existir.


Foto: Praia do Flamengo - Dezembro de 2008.

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

O requinte da simplicidade




O simples possui o requinte
de apenas ser. Muito além
do mal e do bem,
do pecado original
e do amém.

Alguém nada convencional
e nem um pouco refém
de ser igual a todos,
os mesmos que não sabem
de onde a tranqüilidade vem.


Foto: Rui Pires

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

O fado da sombra




Encontro com os escombros
de sonhos tombados
por uma sombra que sonha
em ter seus traços notados.

Como? Suponho não haver...
É apenas uma opaca mancha
ao redor do iluminado
que sempre o acompanha.


Obra: Élia Laranja.

Fios




Laços que me desfaço
com a mesma espontaneidade
com que faço um nó

dentro da bagunça de fios
frágeis, maleáveis e embaraçados
apenas porque não se suportam sós.


Obra: “Work (Hoops)”, do artista Atsuko Tanaka.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Descom-passo




Cansaço nos passos
feitos por pés
que andam em derradeiro descompasso
entre e o ateísmo e a fé.

O pé direito, sentindo-se perfeito,
ainda diz que tem jeito.
Já o esquerdo, todo cabreiro,
anda aos tropeços.

As adversidades
obrigam metades opostas
a formarem inteiros,
tarde ou cedo.


Foto: WEB

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Faminta pelo próprio silêncio




Ando faminta
por engolir meu silêncio
descolorido e ainda
tão pouco intenso.

Diria também ser esporádico,
mas que deixa rastros contínuos
de um contra-senso.

Talvez porque mostre o exato contraste
entre meus dois extremos.

Como ser um colorido por fora
e desprovido de qualquer cor por dentro?


Foto: Francisco Oliveira

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Mate com menta




O frescor da cor verde
da menta me isenta
(ao menos tenta)
do calor e da sede
ambas intensas
entre essas paredes
e vestimentas.


Foto: by Mi.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Rascunhando no sofá xadrez




Chega um dia em que cuidamos de quem sempre nos cuidou. Acabei de colocar o casaco em quem sempre me vestiu de carinhos. Mais cedo dei conselhos para quem sempre me aconselhou através da ausência de palavras. Dessa forma os pés da vida dão um belo giro na dança do tempo.

Obra: Degas.

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Inteireza




Chega de ser parte.
Seja inteira.
Só a lua possui beleza
sendo ou não cheia.


Foto: Praia do Flamengo - 24-11-2007.

domingo, 30 de novembro de 2008

Cor-age-m (ãe)




Onde brota a coragem?
Fora da gente é que não é.
A fé não se implora
de joelhos
não se fica inteiro de pé.


Foto: Web.

terça-feira, 25 de novembro de 2008

Paisagem paternal




Ele nunca gostou da cor cinza, talvez já soubesse do seu futuro nublado. Ele é o céu, e sou como o mar. Por mais que eu não queira, reflito a sua cor. Ensaio uma fuga através da fluidez das minhas águas, mas é inútil. Quando nasci, ele já estava me observando de cima. Posso desbravar o mundo, mas sempre serei encoberta por sua observação. É natural ele fazer parte das minhas paisagens, mesmo que eu não queira ou ignore. Então o que fazer diante da eminência de um temporal? No máximo posso ser coadjuvante na dispersão dessas nuvens cheias de peso. Mas ao menos posso, ainda que pareça tarde. Enchentes já são inevitáveis, mas isso não pode ser motivo para a minha desistência. Se depois o arco-íris e o sol vierem, terá valido a pena. Que valha.

Foto: Largo do Machado - 16-11-2008.

domingo, 23 de novembro de 2008

Um vôo colorido assistido do trem




Preto, laranja e amarelo
são as cores da borboleta
pequena, mas tão nítida
em pleno vôo pelo cinza do concreto.

O acaso sempre pinta
um detalhe de beleza
perceptível para os que ainda
se engrandecem com miudezas.

O olhar poético nunca finda
nem em um ambiente cético
e aparentemente sem tinta
repleto de pintores em tédio.


Foto: WEB

Sobre "Água Viva"




Adio esse momento desde que fechei aquele livro. Confesso que só agora, depois de angustiantes quatro horas, é que me senti pronta, ou pelo menos mais a vontade, para dizer sobre aquele que me disse. Essa é a intenção, mas pressinto não conseguir. A única frase que consegui rascunhar dizia que eu deveria ter o lido há exatos três anos. Mas esse rascunho esquece, até por ser sucinto demais, que naquele novembro se trataria de uma outra leitora. Talvez eu até estivesse preparada para as linhas, mas não para as entrelinhas. Mas sem dúvida, o maior despreparo foi para o encontro com a pior das verdades, contida numa página lida e esquecida, e que o livro fez questão de relembrar. Através de uma prosa tão poética, que deixa muita poesia em ciúmes, reli sobre a existência de um egoísmo tão profundo, o mesmo que foi incapaz de entregar-me a mim. Entrega óbvia, mas que me foi negada. Entregou-me a um espelho. Antes interpretei tal ato como egoísta. O tempo e muitas páginas lidas e escritas depois me fez o compreender como generoso, e porque não amoroso? Sim, pelo menos houve alguma espécie de entrega. Além disso, o egoísmo não deixa de ser amor, muito inclusive, mas a si mesmo. A compreensão da maldade e do seu inverso é lenta, mas importante, assim como a sua própria existência. É perda de tempo conceber uma vida sem inversos e reflexos. E mesmo que fosse possível, sem graça demais seria. E nessa linha final, registro que estava errada quanto ao meu pressentimento inicial.

Foto: Marco Aurélio Robalo dos Santos

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Meu apreço pelas rodas




Palavras querem dar as mãos. Ainda não enxergo a real intenção dessa roda que começa agora a ter forma, mas que ainda não informa o seu porquê. Talvez seja uma necessidade de brincar de ciranda, onde eu possa contar pelo canto e pela dança minhas ingenuidades acerca desse mundo adulto, que não passa de um grande insulto para minha natureza. Com a roda continuo de acordo com a minha essência infantil e as minhas linhas ficam em perfeita fluidez, o que faz maior sentido, afinal de contas é dessa forma que me mantenho saudável dentro desse mundo que não sei como, era redondo, e agora é quadrado. Como viver bem entre linhas que quebram? Por isso prefiro o fluxo do contínuo das rodas possíveis. E porque não das impossíveis também? Não é para isso que serve a imaginação? Sorrio com meus rodopios e todas as minhas formas de roda, reais ou não.

Foto: Marco Massieri

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Infância (de)composta




Cansa essa ânsia
por uma nova infância
piegas e (de)composta
da falta que afoba,
salta e assim se solta
em uma falsa exuberância.


Ilustração: Kandinsky

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Vestido de primavera




Teço fios incolores
embora meu desejo
é por um vestido
com a atmosfera colorida
de uma primavera
esquecida com o inverso
um acinzentado
inverno encasacado.


Ilustração: WEB

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

ins (tinto/tante)




um instinto em um instante
antes: esfuziante vindo!
depois: indo ofegante...


Obra: Paul Klee

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

O desejo dos varais por um verão




O sol clareia tudo o que a escuridão ignora. São verdades inteiras escondidas pela estação oposta. Mofo nas paredes são os resquícios de frente fria após frente fria. Um verão fez-se necessário. Além do mais, o convívio com a cor cinza e suas nuances é tão cansativo quanto a espera dos varais pela secagem de casacos, que de tão pesados, quase caem. E esse “quase” existe pela misericórdia de pregadores, considerados tão bons, e ironicamente apenas cumprem sua destinada função. Além disso, a espera com a leveza e o excesso de cores é mais divertida, ainda mais quando acompanhada do canto das cigarras, responsáveis sempre em anunciar o fim de uma tarde quente.

Foto: Praia do Flamengo - Janeiro de 2008.

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Alguns domingos




A doçura dos dias de domingo
com a ameaça de chuva
que não passa de pingos.
O almoço que invade
o fim da tarde. Quase janta.
Um desejo de sabor infindo.

Nos azulejos engordurados:
uma santa. No som:
um antigo samba.
Em mim: alguém que ama
o simples e o bom
em abundância.


Foto: Escadaria da Lapa por mim.

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Nuances




antes era cor sólida
agora são nuances
eis a simbólica de ser ou não
no próximo instante


Foto: WEB.

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Uma pintura do interior e/ou um jardim sem flor




Ainda não estão amarelas
nem mesmo com o tom marrom,
de fim. De verde o pintor pincela,
ainda que sem dom, todas as folhas.
Talvez não perceba que a cor
é uma questão de escolha
interior do que expor.
A coloração entre a arte e o real destoa
no principio em gotas. No fim, no jardim
semeado por pincéis desencontrados
sem aroma de jasmim.


Ilustração: Foto da varanda da "Questa" photoshopado.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Pétalas despedaçadas




Pétalas despedaçadas
ainda são belas e exalam
fragrâncias, mesmo que brandas.
A beleza não pode ser exata.
As certezas apenas enganam.


Foto: WEB.

sábado, 1 de novembro de 2008

No salão




Foi um sopro fresco
no lado oco
e sem jeito
do meu coração.

Não percebo
o quão sólido
ele tornou-se
quando perdeu razão.

Não esqueço
o refrão impróprio
e sem ritmo
daquele salão.

A disritmia desfez o medo
e os passos melancólicos
daquela dança infantil
e sem inspiração.


Obra: nome na própria.

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

A ida numa sala vazia




Bato na porta. Escuto vozes no outro lado, mas quem me recebe é o silêncio. Descalço e de cabelos desarrumados, ele pede para que eu aguarde. Não há sofá e nem cadeiras para sentar. Sento então no conformismo nada confortável que só a falta de esperança proporciona. Sentada no nada espero. Durante a espera observo o excesso de vazio causado pela escassez de móveis. Brinco com a minha imaginação de decorar essa abundância de espaço. A brincadeira cansa. Chego a conclusão de que às vezes é inútil ser criança. Tédio por me sentir adulta. Levanto, do nada. Vou embora sem me despedir. Não há sentimento de culpa. Ele não responderia. Eu mesmo abro a porta. Não pretendo voltar. Sou mais feliz sendo despretensiosa.

Foto: WEB.

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Segunda-feira




Ônibus e carros passam rápido
em relação às pessoas ainda lentas e desatentas
responsáveis apenas por bocejos cheios
de desejo de dispensa e cama
nas faces ainda gastas do fim
neste começo
de semana.


Foto: WEB

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Idéias incolores




Desvio desse espaço vazio
Fujo como se houvesse perigo
no branco que me chama aos gritos.
Ouço. A princípio ignoro.
De novo, então eu olho.
As idéias estão tão incolores
Roubo então das flores?
Não consigo. Não posso.
O máximo, e com sacrifício,
é o tom de quando estão podres.
Justamente quando já perderam todo o sentido
de serem o que são.
Já não há odores e beleza para admiração.


Ilustração: Adelaide Teles

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Percurso do rio para praia




Deságuo em um rio...
Nado em risos
Engulo água. Cuspo o nada
Julgo-me ser peixe
Mas não sou escamada
Insisto como sereia
Mas meu cabelo empalha
Já descascada sinto sede
Mas H2O só em versão salgada
E com saudades das minhas paredes
Pergunto-me: Será que sou dessa praia?
Então avisto na areia uma afogada.


Foto: WEB

terça-feira, 21 de outubro de 2008

Ímpares que formam pares




Somos inteiros,
em sonhos partes.

Estreito é o fio
entre o romance
e a realidade.

Conceitos fixos
em seres subjetivos
são inaplicáveis.

Há um convívio
diário e bonito
entre ambigüidades.

Embora plurais,
sempre singulares.
Embora ímpares,
sempre pares.


Foto: Honey

domingo, 19 de outubro de 2008

Tudo por inteiro




Ando e corro pelos meios
e não pelas beiradas.
Ignoro os escanteios
gosto mesmo é das jogadas.

Me esparramo quando sento
no centro do chão da sala.
Estranho estar nos cantos
onde nada, nem eu, se encaixa.

Atrás da porta não espreito,
sem receio olho o que me aguarda.
Comporto-me como leigo
saber demais as vezes estraga.


Foto: Pedro Pinto

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Entre tosses e reflexos




Essa tosse me corrói. E ela nem é minha. Apenas fui colocado para fora a partir dela. Na verdade ela é o descontrole de quem engole sem mastigar. E os pedaços mal mastigados não são nada além do que as poses daquele que sempre possui um espelho por perto, claro que carregado por alguém. Assim é fácil achar uma posição em que a feiúra não se torne evidente. O peso, a princípio, é para quem carrega o espelho, mas como bem disse, a princípio. Já que do meio pro final, aquele que dá origem ao reflexo é que sente o peso de ser refém da imagem obtida apenas em alguns poucos minutos, e que nada são quando mergulhados em muitas e longas horas.

Ilustração: “Casal” (1919) - Guache sobre cartão do pintor naturalizado brasileiro Lasar Segall.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Pés alagados




Sei que chove
e que agora a água
cobre teus pés.

Mas não se afobe
nade no nada
caso alague tudo. Fé.

Sentido-se alagada
sinta-se numa lagoa
finja como der.

Quando molhar-se
se torna uma escolha
secar-se também é.


Foto: Robvini

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Nova infância




Somos crianças grandes
ofegantes com as (an)danças
em uma cidade aspirante
em ser nossa melhor lembrança.

Grande perda de tempo!
Nós dois e o etéreo que carregamos dentro
é que faz dessa nossa nova infância
inesquecível, instigante e com aroma de incenso...


Foto: Praça XV / Fevereiro de 2008.

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Aquela carta




Gostaria de resgatar aquela carta. Aquela, onde molhei as letras em tinta (não me recordo a cor) com as minhas piores lágrimas. Gostaria de analisar a grafia e ter certeza de todos os meus erros de português, principalmente os de pontuação. Era terrível a minha relação com as vírgulas e os pontos finais. Também gostaria de ter certeza de uma suposição adquirida com as vagas lembranças do que escrevi, a de que mesmo sendo transparentes, as lágrimas cegam, ou no mínimo embaçam qualquer boa visão de perto. Mas ao reler o que acabo de escrever, surpreendo-me com essa enorme necessidade de certezas, já que hoje possuo a maior delas, a de que todos os motivos que me levaram a escrever a tal carta e até a própria, foi o maior e mais necessário mal. Tanto para o destinatário, quanto para o remetente. A maneira como o mal foi entregue é que foi desnecessária. Talvez more neste ponto a necessidade das tais certezas, talvez as enxergando de forma nítida, não como uma mera lembrança embaçada por úmidas tristezas, a probabilidade de acertos e menos erros seja maior numa próxima carta. Talvez esta não seja nem necessária. Tomara.

Obra: "A carta" de Pierre Bonnard.

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Sobre o verbo poetizar




Poetizar é ser criança!
Brincar de pique com as palavras,
e com as rimas de ciranda.


Ilustração: WEB.

Poça de gratidão




A gratidão escorre pelos dedos. Uma poça é formada. Observo e constato que aqueles que uma dia denominei como inimigos, na verdade foram os que por mim fizeram os maiores e melhores favores. Fui obrigada a supera-los. Cresci. Os denominados amigos não foram capazes de tanto.

Obra: A Lua - Tarsila do Amaral.

sábado, 4 de outubro de 2008

Medo da pia e do espelho




Faltam palavras...
Faltam copos d´água
em cima da mesa
para afastar a secura
da minha boca.
Tento engolir saliva...
Engulo apenas minha falta de vida.
Descubro a causa, mas não a cuspo.
Apenas fujo do encontro com a pia do banheiro.
Espelhos vigiariam
o meu consumo de água não-potável?
Quem sabe eles contariam ao mundo
que não sou mais saudável?
Medo. Respeito pelos os que me refletem.
Afinal, eles me repetem.


Foto: Bar da cachaça, em Imperatriz do Maranhão por Diego Aragão

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Achados das últimas folhas do caderno preto




I
A fluidez das águas. Cabem nelas a possibilidade de serem calmas e revoltas. Na verdade elas nunca são, e continuam sendo. Esse caráter existencial é de uma beleza que me comove, e que de certa forma me resolve, quando me deparo com a problemática de (ainda) não ser. E a contemplação continua. Da água e minha. Sempre Contínuas.

II
A idéia de plenitude ilude. É um chão que apenas piso, andar seria muito. E esses alguns segundos permitem que minha imaginação possua certeza da existência dos minutos e das horas. Cada vez mais me convenço que imaginar certezas é uma inação idiota.


Obra: "A Girl Writing" - Henriette Browne (1829-1901)

terça-feira, 30 de setembro de 2008

Outros setembros




Agora compreendo todos
aqueles meses de setembro.

O gosto e o desgosto
são incompreensíveis
quando ainda estão por dentro.

O sabor ruim foi imposto
e o bom não me lembro.

Porém e por bem, lembro-me
do rosto, do cheiro, do “não”, do peito
aos prantos apenas (não) sabendo...

ser. E assim sendo, fui.
Alguns lamentos e adendos
depois... e hoje, sou.


Obra: Picasso - Mulher chorando com lenço (1937)

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

A pena do povo




É tudo mentira!

Não tem água nesse poço
Nem ovo nesse bolo
A alegria é fria
O fogo não queima
Cobertores nos problemas...

O comercial é tolo
A TV muito pequena
O conteúdo é pouco
O gozo vira cena
O cenário é solto...

E no fim, o soco não deixa roxo,
apenas o povo com pena.


Obra: A família - Tarsila do Amaral

domingo, 28 de setembro de 2008

Macro nos grãos




Enxergo pedras
em vez de grãos.
Espero pela expressão
de quem não se expressa.
Espera em vão onde a distração
não me desconversa.
O que era simples
desintegrou-se em farelos.
Todos estes complexos
e quando sós sem razão de ser.
A ilusão somente finge
até chegarmos perto.
O toque distingue
e a distância faz o inverso.


Foto: Kristal Moura

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Queima e passeia por dentro




Uma queimadura aflita
sem indícios de ser causada
por fagulhas ou fogo explícito.
Apenas uma ardência arredia
que passeia em rebeldia
nas vísceras e no espírito.


Foto: Daniel Lavenere

domingo, 21 de setembro de 2008

Seis da manhã




Há excesso de consciência
enquanto busco a escassez.
Dou goles que me engolem...
Será que os santos desistiram de vez?
Não sei. No espelho apenas palidez.
Desço através de tropeços,
e lá embaixo pergunto-me:
Enquanto eu descia o que a escada fez?
Apenas existiu. Mas a existência não me basta.
E as conseqüências dessa insatisfação
não me gasta, não me arrasta, não me afasta...
das 6:00... Já manhã?!?!?!?!
Pois é, passei pela madrugada.


Ilustração: Marcel Duchamp - Nu Descendo a Escada, 1912.

Tranças




A insegurança cansa
e cria essa distância.
A alegria é uma mentira
assim como aquelas tranças.
Constatações pequenas e tardias,
ou nada além de grandes desimportâncias...


Foto: WEB.

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

A tranquilidade em sua fonte




A tranquilidade do riacho
que respeita a idade das rochas
tão delimitadoras de espaço.

Mas há também respeito à juventude
dos peixes com seu nado
cheio de saúde e flexibilidade.


Foto: WEB - Autor não identificado.

domingo, 14 de setembro de 2008

P.A.I ( Parabenizo alguém importante)




Não caberia no bolso. Nem mesmo nas minhas bolsas, ainda que grandes. Além da quantidade, a diversidade de sensações. As contradições são por todas as condições que o sentimento primeiro, o amor, foi submetido. A simplicidade ficou perdida no meio do caminho, a complexidade me achou, e além disso, ofereceu-me a mão. Com ela atravesso ruas, ando no breu e brinco de ficar tonta. Amor e ódio. Orgulho e desprezo. Calor e frio. Presença e ausência. E todas os antônimos pela mesma pessoa. Menos o nada em relação ao tudo. Isto não. Algo é, não importa se bom ou ruim. E se importa, importante é, o que leva o seu aniversário também ser. Então comemoro do seu jeito, ou seja, bebemoro. Itaipavas no congelador. Ainda há gelo, mas o tempo descongela.

Ilustração: Joel Peter Witkin, 1987

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

As vacinações individuais




A campanha na mídia alertava. A minha vó também. A vacinação tinha prazo, mas eu nem precisei correr pro posto de saúde mais próximo. Instalaram um “stand” na faculdade. Na hora do intervalo lá fui eu para a fila. Alguns minutos observando entradas tensas e saídas sorridentes com um algodão no braço.
Não tenho medo, mas admito que não fico à vontade em saber que dentro de instantes irei encarar uma agulha. Um segundo e logo estava eu, também sorridente e com o algodão no braço. Na volta para casa refleti sobre a existência de um novo líquido, na quantidade de uma ampola, realizando um passeio, naquele momento, em meu corpo.
Fisicamente tudo normal. Mas pelo o que aprendi no colégio, estaria eu agora com um pouco de doença, mas para ter saúde. Contraditório, mas a medicina e a subjetividade da vida explicam o porquê dos anticorpos apenas nascerem dessa forma. E como o lado subjetivo é sempre o que mais me atrai, logo compreendi a importância de breves dias cinzas, das tolas lágrimas guardadas ou escorridas e das momentâneas faltas de apetite por tudo. São em circunstâncias desse caráter que a vida nos obriga através de campanhas de vacinações individuais a encarar uma agulha, colocar um líquido novo nas veias, para que os benditos anticorpos apareçam. O aparecimento destes não garante felicidade plena, mas nos preparam para encontros inevitáveis com as pequenas tristezas. O interessante é que estas nunca cessam, e além disso, são de várias naturezas, assim como as doenças. A erradicação é impossível. A vacinação para diferentes fins é recorrente, faz parte da essência humana. Na verdade me surpreendi com a capacidade da vida de nos preparar para as próximas batalhas, como uma tristeza aparentemente idiota nos prepara para enfrentar uma outra, de intensidade maior e que jamais poderíamos supor. Nada o que passamos é em vão, como todas as vacinas, até aquelas que não doem e não deixam marcas como a BCG. Tudo possui importância para a manutenção do corpo e da vida. Talvez seja isso o que chamam pelo nome de amadurecimento.

Foto: WEB.

terça-feira, 9 de setembro de 2008

Poesia-Presente




Entrego-lhe uma poesia
presente sem laço e embrulho
e ainda que tivesse caixa,
você a guardaria como entulho.

Mas considere a intenção
mesmo que o conteúdo não desperte
a atenção para olhos tão acostumados
em brilhar apenas com a televisão.


Ilustração: Wassily Kandinsky, Yellow, Red and Blue

Haicai da primavera ( primeiro verão)




aroma de verão
na minha mão sundow
no céu de todos sunup
.


Ilustração: Sol de Primavera - Beto Guedes