sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Reflexões natalinas




A única expectativa boa e saudável que vivenciei foi no Natal. Ou melhor, nos natais. Todos na minha infância. Eu esperava a boneca mais linda de todas. Ganhava. Eu aguardava saborear a melhor das tortas de nozes. Comia. Eu sempre esperava mais. E bem mais vinha. Minha volta para casa era radiante, assim como o dia seguinte, com aquele cheiro de brinquedo novo no quarto. O natal tornou-se então a data mais esperada do ano, superando até o aniversário. Mas com o tempo a vida me ensinou justamente o contrário do que acontecia nesses narrados momentos. Uma lição oposta à gostosura das ceias: grandes expectativas geralmente tornam-se grandes decepções. Quanto mais velha eu ficava, melhor eu entendia esse processo. Até que ele se estendeu para o Natal. Na adolescência eu ainda alimentava uma certa expectativa pela data, mas nunca mais ela foi a mesma. Eu até ganhava presentes aguardados e saboreava a comida especial que parecia só existir na última semana de dezembro. Porém, Papai Noel tinha levado a magia. E nunca mais trouxe desde que deixei de acreditar nele. Mas de qualquer forma, o Natal não deixou de ser especial, pois é nele que vivencio uma falta de expectativa saudável e inteligente que eu devia estender para o resto do ano. Hoje não espero nada demais do Natal e realmente ele não se torna nada além disso. E assim eu volto para casa com uma felicidade tranqüila que me faz bem. Talvez seja o que chamam de paz.

Foto: Natal de 2008.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

pin-céu de verão




Luz amarela que entorna
uma mancha nas manhãs
antes tão tímidas
e sem tons de rosa.

Se tornam então desinibidas
tão cheia de formas
todas pinceladas com a tinta
de uma reforma cotidiana
e de misteriosa mão de obra.


Ilustração: Sun and Life, Frida Kahlo (1947).

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Livre arbítrio




Um atrito. Crio.
É o vazio do tempo
livre
arbítrio
do qual pertenço
no qual invento
adendos de um contrato
sem prazo
de vencimento.


Ilustração: WEB.

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

verá no verão




esse lugar
verá um verão
que será
como no sertão
com o mar
de distinção

Ilustração: Cordel

uma espécie de sarna pscicológica




não sei que troço que dá
que me coço
para parar de coçar


Ilustração: Robert Burch

domingo, 29 de novembro de 2009

Faço das palavras dele, as minhas




Achei um vídeo com o Leminski no youtube onde ele coloca em palavras uma das minhas últimas constatações. Na verdade ainda nem havia se tornado uma de tão embrionária que era. Apenas uma idéia solta que vinha toda vez que abria esse blog. As palavras: “A poesia, ela é um fenômeno etário, em determinado momento. Aos 17 anos todo mundo é poeta, junto com as espinhas na cara, todo mundo faz poesia. Homem, mulher, todo mundo tem seu caderninho lá dentro da gaveta e tem seus versinhos que depois ele joga fora ou guarda por mera curiosidade. Ser poeta aos 17 anos é fácil, eu quero ver alguém continuar acreditando em poesia aos 22 anos, aos 25 anos, aos 28 anos, aos 32 anos, aos 35 anos, aos 40 anos (eu estou com 41), aos 45 anos, 50, 60 anos”. Qualquer coisa que eu diga agora é irrelevante. O mestre sabe das coisas. E eu definitivamente não sei o que é rascunhar meu caderninho faz tempo. Espero que seja excesso de trabalho e não a idade. Embora a idade sempre traga mais trabalho. Talvez eu tenha que encontrar outra forma de alimentar a minha poesia. O ócio é um alimento que já não posso mais comprar. Nem mesmo roubar. Extinguiu-se da minha realidade.

Ilustração: Delírios e suspiros

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

cadarços desamarrados




o espaço é escasso
nem dá
para tropeçar no cadarço

então nem o amarre
aguarde até que chão
procrie e escape


Tela: The artists wife, de Egon Schiele

co(m)




nosso contrato
é (com) viver
com trato


Ilustração: WEB.

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Alimentada de fome




De tão presente, faz falta. De tão abundante, acaba que se torna escasso. Dessas contradições me alimento. E é por elas morro de fome. Na verdade não reclamo, agradeço. Agradeço sempre. Ainda que meu estomago às vezes doa. Se pudesse ajoelhava. Mas não é possível. A vida pede passos. Peço então desculpas de pé. Já sei que estão aceitas. Agradecida mais uma vez.

Foto: WEB.

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Doce de leite




Na minha parede de imã muitas fotos. Algumas de uma bebê branquinha como leite. A infância e adolescência passaram e a falta de cor permaneceu. Minha mãe forçava, mas eu detestava a praia. Preferia a TV. Preferia as guloseimas enquanto assistia TV. Falava mal. Dizia rebelde que ficar assando como frango no forno não tinha sentido. Foram necessários 20 anos para eu comer o prato que tanto cuspi. E com detalhe, com muito gosto. De repente me apaixonei pela praia. Era uma gringa. Agora me entendo como uma carioca legítima. Sábado e domingo de primavera e verão corro para praia. E durante a semana ainda tento encaixar um mergulho entre a faculdade e o trabalho. Na gaveta dos biquínis não param de chegar novidades. A última foi um biquíni de zebrinha. Nunca imaginei que teria gosto em comprar coisas do tipo. Às vezes me questiono o que causou essa mudança que hoje tanto espanta minha mãe. Acho que sempre tive uma paixão platônica pelo sol. Eu o amava, mas as inseguranças infantis e juvenis me faziam crer que ele não sentia o mesmo. Bobeira, graças a deus superada uns quatros verões atrás. E na minha parede de imã já tem fotos de uma moça com uma cor, digamos, de doce de leite. Gosto muito.

Foto: Último sábado - Praia de Camboinhas.

domingo, 8 de novembro de 2009

Cobertor no calor




Enganos e mentiras
são os panos que encobrem
enquanto a verdade brilha
e cega. Se acoberta
mais uma vez...


Foto: Gregoria Correia

terça-feira, 3 de novembro de 2009

desobedoente




desobedeço o médico
abraço os copos
assépticos ao avesso
micróbios que não vejo
então encosto, molho
e beijo
sem modos...

adoeço


Foto: do celula.

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

quase vestidos




O sabão que desbota

A compulsão que assola

O refrão que faz
de uma boa música idiota

O mesmo erro
em sujeitos distintos

O vestido sem fecho
fica sem eixo
Apenas um pedaço de pano
perdido por inteiro


Obra: "Meu vestido pendurado ali", pintura de Frida Kahlo

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

sangue




impressiono-me com o sangue
não o que corre dentro
mas o que escorre fora
intenso na forma
que não estanca... expande...

sal e água
mal que se espalha
casca

engana a cicatriz
ainda sangra
a pele é que não diz


foto: Flávio Morais

varal




o pregador e a toalha
são os únicos bens
de quem apenas atrapalha
a paisagem de um quintal
sem muro que se espalha


Ilustração: Marcel Caram

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

á ri (d) o




meu solo de linhas inférteis
regado por um copo vazio
na verdade um rio
árido nessa estação
ainda que o contrário
esteja nas minhas preces


Foto: Rui Santos

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

E se um dia...




Pela sina de ser má
a menina esnobe
joga todos na piscina
sabendo que pode
correr pro mar

E se um dia
ele recolhe
como antes
de um tsunami?

E durante e depois
como um gigante
cobre e não escolhe
onde e como desaguar


Foto: WEB.

sábado, 3 de outubro de 2009

cortina de vapor




o chá sobre a mesa
esfria e cria
uma cortina de vapor
nem tão fina
nem tão espessa
mas que confirma
uma certeza velha:
o calor não faz presas
no bule, na xícara
ou na chaleira


Obra: Chá - Mary Cassat

terça-feira, 29 de setembro de 2009

a timidez do céu





a nuvem branca
disfarça o azul límpido
que encanta
mas é tímido
quando há cobrança
de um dia lindo



Obra: Van Gogh.

sábado, 26 de setembro de 2009

(re)caída




movimento os lábios
formo um sorriso
lamento pois caio
em um buraco
com placa de aviso


Foto: Nuno Inácio

estiagem




uma tristeza úmida
incomoda
e ninguém vê

a certeza única
é da seca acerca
do quem conviver

Foto: Joana Antunes

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

cansaço




confesso o cansaço
em nunca fazer descaso
com quem sempre está indisponível

indisposta é a desculpa que sobra
numa forma formosa
o que me torna ainda mais risível


Ilustração: Paraíso Nilista

domingo, 20 de setembro de 2009

Minha vó e o Big Brother





É sempre igual. Passa o anúncio do Big Brother Brasil e minha vó aperta o botão do controle. Radical como sempre, ela se recusa até em ver as chamadas. E completa com a frase: “Isso é um retrocesso, no meu tempo saber da vida dos outros era falta de educação.”
Mal sabe ela que essa modalidade de falta de educação não está só na Tv. Está em todo lugar. São os novos tempos. Hoje em dia a curiosidade habitual do ser humano é vorazmente incentivada a tornar-se uma patologia vista com naturalidade.
A internet tornou-se um caso a parte na feitura dos curiosos de plantão. De certa forma fico aliviada dela não freqüentar o mundo virtual, afinal para ela não seria nada natural saber tudo o que os amigos dela fizeram, fazem ou vão fazer. E o contrário também. Porém como neta, admito ver com muita tranquilidade tais informações.
Porém outro dia, me peguei descobrindo algo bem íntimo de uma pessoa distante. Essa distância não é física. Tal pessoa mora relativamente perto, fez parte da minha vida durante um período curto, mas de fato não somos amigas e não nos vemos há meses. Apenas somos adicionadas num desses sites de relacionamento. Fui comentar com meu namorado a descoberta e ele prontamente disse: “O que a gente tem a ver com isso? Na verdade a gente nem devia estar sabendo disso.” É verdade, nem era para sabermos. Se não fosse a internet, talvez passaríamos a vida sem saber. Ou não. Mas mesmo que um dia soubéssemos, creio que seria de uma forma natural. Mas o que é natural hoje em dia? Enfim, fiquei intrigada de como a exposição é encarada com naturalidade atualmente. Eu, que não encontro com uma pessoa há anos, posso saber de uma informação que teoricamente apenas amigos íntimos e familiares teriam acesso. Claro, se a pessoa posta uma informação é porque ela quer que os outros saibam. Porém, no mundo virtual é tudo tão virtual que eu mesmo perco a noção desse saber às vezes. Muitas vezes coloco uma foto para um grupo de pessoas baixarem e nem me dou conta que todo o resto também pode acessar.
Me assustei. Fui ver as minhas fotos. Nossa, quantas eu não queria que todos tivessem acesso. Comecei então a compartilhar certos álbuns apenas para certas pessoas. Foram necessários apenas dez minutos para desistir. São muitas fotos e muitas pessoas. Impossível. Foi daí que me dei conta de como perdi controle da coisa. Tive a sensação de que nem sempre uso internet, é ela que me usa. Estou perdida entre tantas informações e fotos. Minhas e dos outros. No final das contas, somos geradores e consumidores de informações alheias. Alheias mesmo, no sentido amplo da palavra.
Minha vó é que está certa, saber da vida dos outros NÃO é NORMAL. Nem mesmo de um grande irmão.

Ilustração: WEB.

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

brilhe (ponto de exclamação)




não ofusque meu brilho
busque o seu
ainda que no princípio
pouco ilumine
é melhor do que ser breu


foto: web.

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

sebo




os livros de um sebo
foram deixados
trocados
achados
doados

por um motivo
que nunca se sabe
mas é indiferente
para quem
novamente os abre


Foto: Um livro meu, que inclusive está emprestado.

a feitura de sonsos




de tão boa, enjoa
e os enjôos não são poucos
vômitos e mais vômitos
mas depois joga água e ensaboa
na cara e nas mãos
e esfrega pasta
na boca

é assim que a espuma faz muitos sonsos
com a ajuda de sabão e escova


Foto: Joana

ên-fase




ênfase no pior
que não pede licença
e nem sente dó
de mim
e dos que estão
ao meu redor


Foto: Marco Souza

sábado, 5 de setembro de 2009

uma questão de matemática




Na foto um sorriso. Um mesmo. Não haveria de ter mais? Essa questão do menos e do mais sempre intriga. A mim e a todos. Os sinais que não acordam. Em tese subtração e adição se opõem, porém se completam. Um grito de socorro para a matemática! É de falta de lógica que padeço todos os dias.

Ilustração: WEB.

terça-feira, 1 de setembro de 2009

dê-per-dão




Perdão. A palavra que faz toda diferença. O que diferencia os bons dos que assim não são. Não digo pessoas más porque é diferente não ser bom e ser mal. Pra quem perdoa a maldade não existe em seu sentido absoluto. A existência dela apenas se dá no sentido circunstancial e relativo. Logo, não perdoar é estar preso em circunstâncias e pequenas relatividades diante da grandiosidade da vida. Perdoar é ser livre. É clichê, mas é fato. A liberdade é difícil, mas não impossível. E com certeza bem mais feliz. Por isso dê-per-dão.

Foto: Daniel Pereira

sábado, 29 de agosto de 2009

Pequena salvação




apodreço com o medo
da falta
de novo

mas agora escrevo
e isso me salva
um pouco

queria mesmo
é que salvasse
do que me é imposto


Foto: Maria José Amorim

*No post passado falei dos encontros. Esqueci de mencionar dos incomuns, mas não raros, encontros que começam como grandes desencontros.

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Encontros




Os encontros são presentes do acaso. Uma alegria na rotina, que nem precisa ser triste, mas muitas vezes simplesmente nada é. E as pessoas não são as únicas a serem encontradas. Quem nunca encontrou com uma música, uma foto, uma frase ou com qualquer coisa que dê uma sensação mágica para determinado momento? Como se o desencontro passasse a não ter sentido algum, ainda que a razão mostre que isso seria muito simples. Era só ter atravessado a rua ou seguido à risca a dieta e não ter ido comprar sorvete. Já pensou em um amigo, sentiu saudades dele, e no mesmo dia, ou minutos depois, deu de cara com ele na rua? Ou num momento de total desolação descobriu uma canção ou um texto que parece ter sido feito por ou para você? É difícil não encontrar, mas é também muito fácil encontrar e não se dar conta disso. Não perceber a falta de lógica e o excesso de mágica que está no dia-dia faz dele muito sem graça. E a graciosidade não começa na expectativa dos encontros, mas em estar pronto para percebe-los por aí, por mais inusitados que pareçam. Nunca me esqueço da viagem em que fui em uma farmácia para saber onde tinha quartos para me hospedar e já no andar de cima encontrei o melhor remédio para meu descanso: uma boa cama.

Foto: Daniel Pimenta

domingo, 23 de agosto de 2009

AO = OA



O MAR
A MAR
A MOR
A = O
O = A
OA = AO?
AO MAR
ou
AMAR
VAMOS?
V AMO S
e i
r m!
d
a
d
e

Foto: Obra de uma criança na praia de domingo passado.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

mentiras do pincel




não existe horizonte nas paredes
nem verde puro, nem fonte d´água
nem céu
no máximo tinta
com as mentiras do pincel


Foto: Rui Silva

domingo, 16 de agosto de 2009

Delícias




Domingo. Último dia de férias. Falta inspiração para o blogg, mas não para o resto. Os dias até ficaram bonitos e ensolarados. Hoje me dei de presente uma caminhada na beira da praia e um prato de massa suculento. A sobremesa ficou por conta de uma bomba de chocolate e um dormida em plena tarde. Pequenas delicias diante de grandes sorrisos.

Obra: "Passeio ao crepúsculo", Vincent van Gogh

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

anos de rugas e úlceras




um tanto perdida
e os anos de vida
não param de somar

devia ser invertida
essa ordem destemida
de enrugar

além das rugas
úlceras atrevidas
gemem cruas sem parar

leite não cura
azeite engordura
o sangue prestes a entornar


Foto: José Meneses

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Férias




A inexistência de relógios
é apenas um detalhe
dentro do ócio
que faz dos dias
um grande disfarce
para a falta
do que não se sabe.


Foto: Rui Ramos.

quinta-feira, 30 de julho de 2009

Uma revira(re)volta




Ódio que corrói...
Estou como ferrugem
que só sucumbe
quando destrói.
Desculpe.
Mas na minha história
uma reviravolta
que muito dói.
É que o vilão de agora
era meu herói.


Desenho: Vicente.

domingo, 26 de julho de 2009

"Evolição"




Ele sempre esteve certo.
Mas essa parede de certeza
não a protegia.
Nem o teto a deixava seca
enquanto chovia.
Então demoliram juntos
e viveram separados.
Anos e construções mais tarde,
alguns enganos e uma verdade:
Ele sempre esteve certo
em achar que estavam errados.


Foto: Maria Ivone

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Debaixo do temporal




A indiferença é uma prática árdua diária. É como estar encharcado debaixo de um temporal e fingir estar numa situação absolutamente normal. E esquecer da água com leptospirose nos pés e todos os papéis guardados na bolsa de pano que não podiam molhar. Para quem assiste a cena, do alto de uma janela e com os pés secos, são como detalhes. Mas para quem coloca os pés na poça, são sensações ruins do tamanho de um oceano. Uma inundação de desconfortos. Ás vezes a vida nos obriga a passar por eles. Às vezes não, quase sempre. Geralmente no verão, onde por ironia temos mais sol e calor e imploramos por chuva. Mas esse desejo não faz de um dia com temporal uma situação menos anormal para exercermos melhor a prática da indiferença. É sempre árdua mesmo.

Foto: Karina Bertoncini

terça-feira, 21 de julho de 2009

pés nunca serão raízes




o outro lado da montanha
se acanha
quando alguém o pisa

passos tiram o sossego
ocupam espaço
e comportam-se como visita

os moradores mesmo
são as raízes imóveis
que movem o começo da vida


Foto: Isabel Gomes da Silva

incerteza irresponsável




a incerteza que não cabe
de tão pequena
de tão leve

nem vale pena
guarda-la
por menor que seja
a caixa

mas é inevitável que escape
o invisível é irresponsável
e facilmente se espalha


Ilustração: Sofia Morgado.

quarta-feira, 15 de julho de 2009

A tarde




Era para ser apenas mais uma tarde. Não foi. Com ele nunca é. Companhia mais agradável não há. O engraçado é que na infância eu o considerava lento demais e confesso que isso me cansava um pouco. Mas hoje percebo que a agitada era eu. Na verdade ainda sou. A minha única evolução é ao menos sentir desejo de possuir a mesma calma e paz. Não é à toa que escolhi, ainda que inconscientemente, uma pessoa bem parecida para compartilhar a vida. Sim, eles são bem parecidos. Porém essas semelhanças e conhecidências não foram o que me levaram a começar esse texto. Foi a tarde de ontem. E nela estavam: eu, meu avô e o Centro do Rio de Janeiro. E entre uma obrigação e outra couberam muitas explicações sobre história, conversas, goles de suco de laranja americana (a mesma que ele tomava quando jovem na Travessa do Ouvidor), presentes divinos e mundanos e a ida ao Municipal que completava cem anos. Fomos apenas na porta, mas já foi o suficiente para terminar o passeio com chave de ouro. Na verdade com fotos na frente da águia de ouro. Mas como nada é perfeito, na bolsa estava apenas a câmera do celular. E apesar de amar a fotografia, confesso que nem era preciso o uso dela. Momentos como esse são registrados para sempre. Com ou sem tecnologia. Era preciso apenas estar ali.

Foto: Mãos dele.

sábado, 11 de julho de 2009

uma falta




Não é uma falta de ar
Mas é uma falta
Não desespera
mas causa
uma espera
exausta por algo
que salve a alma
dessa inércia
que te tão calma
estressa


Foto: Carlos Rocha

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Consumir pelo avesso




Sempre me interesso pelo avesso. Aprecio a costura, as linhas, os nós e as estampas ao contrário. Como está na vitrine é óbvio demais. Mas os olhos te todos os passantes, inclusive os meus, captam e logo consomem. Tornou-se tão banal esse processo. É a banalidade do consumo no qual o porquê e o pra quê nunca estão presentes. Hoje é difícil consumir sem se auto-sucumbir para tornar-se o que está do outro lado do vidro ou no folheto de anúncios. E isso de maneira nenhuma é uma mera crítica. É de fato uma autocrítica. Linhas gastas especialmente para mim. Linhas essas no sentido amplo da palavra. Admito encontrar nós, costuras erradas e excesso de linhas de vez em quando. Mas é tudo culpa minha. É quando consumo sem atentar nos avessos que tanto me interessam. Não se deve nunca perder os reais interesses de vista.

Foto: WEB.

quinta-feira, 2 de julho de 2009

névoa triste




tristeza leve
como névoa
apenas serve
para embaçar
manhãs como essa
tão alegres de sol


Foto: Júlio Fernandes

terça-feira, 30 de junho de 2009

doze meses, quase treze




doze meses
quase treze
para a cicatriz
ser quase
como antes
pele

quase porque...

depois do pus
que deu febre
do gasto com gazes
e merthiolate
apenas um sinal leve
para a eternidade


terça-feira, 23 de junho de 2009

o que o chão encobre




o caminho é sujo
mas o medo é estúpido
e move seus súditos
ainda que não concordem
em serem apenas
os que percorrem
de um jeito pudico
e nada nobre
o chão
que encobre
tudo de lúdico
que alimentavam
até então


Foto: Tiago Barata.

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Uma resposta




Fico feliz com as suas boas novas
talvez sejam as únicas
que fazem das minhas canetas
menos preguiçosas.

Não é à toa que esta folha
agora recebe esses pingos de tinta.
Formariam eles uma enorme poça?
Não sei. Mas se formasse não seria bem vinda.

Prefiro arrumar-los de forma sucinta
para entregar-lhe uma bela resposta
com as rimas que você ignora
e que um dia me deixaram faminta.

Não é à toa. Já bem disse.
Foram duas escolhas:
A sua de ser feliz e a minha
de também ser ao vê-lo ser
e comunicar através desta.
Enfim, felizes! Bem, já disse.


Foto: Paulo Viana.

terça-feira, 16 de junho de 2009

tranquilidade de um aquário




Hoje o dia foi corrido, mas a correria não foi a de sempre. Talvez até tenha sido, mas foi como se eu a admira-se de longe. Não! Na verdade foi de perto mesmo. Como quem admira um aquário. Tranqüila passei pelo dia, apesar das correntezas. Muitos números, alguns trabalhos, uma prova e um médico. Passei por eles como os peixes passam pela águas. Eles aproveitam a essência maleável do seu habitat mesmo quando agitado e com correntes. Aceitam que aquilo está intrínseco em suas vidas. Não há outra forma. Observar aquários faz bem. Em especial os de água salgada, naturalmente mais coloridos. O mar pode até ser mais turbulento, mas a tranqüilidade dos peixes é a mesma. Quem vê Discovery sabe.

Ilustração: WEB.

sábado, 13 de junho de 2009

autentiCidade




na sua autentiCidade moro
numa casa sem grades
e sem modos

obrigada por aceitar
meus tijolos
no seu solo