domingo, 30 de novembro de 2008

Cor-age-m (ãe)




Onde brota a coragem?
Fora da gente é que não é.
A fé não se implora
de joelhos
não se fica inteiro de pé.


Foto: Web.

terça-feira, 25 de novembro de 2008

Paisagem paternal




Ele nunca gostou da cor cinza, talvez já soubesse do seu futuro nublado. Ele é o céu, e sou como o mar. Por mais que eu não queira, reflito a sua cor. Ensaio uma fuga através da fluidez das minhas águas, mas é inútil. Quando nasci, ele já estava me observando de cima. Posso desbravar o mundo, mas sempre serei encoberta por sua observação. É natural ele fazer parte das minhas paisagens, mesmo que eu não queira ou ignore. Então o que fazer diante da eminência de um temporal? No máximo posso ser coadjuvante na dispersão dessas nuvens cheias de peso. Mas ao menos posso, ainda que pareça tarde. Enchentes já são inevitáveis, mas isso não pode ser motivo para a minha desistência. Se depois o arco-íris e o sol vierem, terá valido a pena. Que valha.

Foto: Largo do Machado - 16-11-2008.

domingo, 23 de novembro de 2008

Um vôo colorido assistido do trem




Preto, laranja e amarelo
são as cores da borboleta
pequena, mas tão nítida
em pleno vôo pelo cinza do concreto.

O acaso sempre pinta
um detalhe de beleza
perceptível para os que ainda
se engrandecem com miudezas.

O olhar poético nunca finda
nem em um ambiente cético
e aparentemente sem tinta
repleto de pintores em tédio.


Foto: WEB

Sobre "Água Viva"




Adio esse momento desde que fechei aquele livro. Confesso que só agora, depois de angustiantes quatro horas, é que me senti pronta, ou pelo menos mais a vontade, para dizer sobre aquele que me disse. Essa é a intenção, mas pressinto não conseguir. A única frase que consegui rascunhar dizia que eu deveria ter o lido há exatos três anos. Mas esse rascunho esquece, até por ser sucinto demais, que naquele novembro se trataria de uma outra leitora. Talvez eu até estivesse preparada para as linhas, mas não para as entrelinhas. Mas sem dúvida, o maior despreparo foi para o encontro com a pior das verdades, contida numa página lida e esquecida, e que o livro fez questão de relembrar. Através de uma prosa tão poética, que deixa muita poesia em ciúmes, reli sobre a existência de um egoísmo tão profundo, o mesmo que foi incapaz de entregar-me a mim. Entrega óbvia, mas que me foi negada. Entregou-me a um espelho. Antes interpretei tal ato como egoísta. O tempo e muitas páginas lidas e escritas depois me fez o compreender como generoso, e porque não amoroso? Sim, pelo menos houve alguma espécie de entrega. Além disso, o egoísmo não deixa de ser amor, muito inclusive, mas a si mesmo. A compreensão da maldade e do seu inverso é lenta, mas importante, assim como a sua própria existência. É perda de tempo conceber uma vida sem inversos e reflexos. E mesmo que fosse possível, sem graça demais seria. E nessa linha final, registro que estava errada quanto ao meu pressentimento inicial.

Foto: Marco Aurélio Robalo dos Santos

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Meu apreço pelas rodas




Palavras querem dar as mãos. Ainda não enxergo a real intenção dessa roda que começa agora a ter forma, mas que ainda não informa o seu porquê. Talvez seja uma necessidade de brincar de ciranda, onde eu possa contar pelo canto e pela dança minhas ingenuidades acerca desse mundo adulto, que não passa de um grande insulto para minha natureza. Com a roda continuo de acordo com a minha essência infantil e as minhas linhas ficam em perfeita fluidez, o que faz maior sentido, afinal de contas é dessa forma que me mantenho saudável dentro desse mundo que não sei como, era redondo, e agora é quadrado. Como viver bem entre linhas que quebram? Por isso prefiro o fluxo do contínuo das rodas possíveis. E porque não das impossíveis também? Não é para isso que serve a imaginação? Sorrio com meus rodopios e todas as minhas formas de roda, reais ou não.

Foto: Marco Massieri

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Infância (de)composta




Cansa essa ânsia
por uma nova infância
piegas e (de)composta
da falta que afoba,
salta e assim se solta
em uma falsa exuberância.


Ilustração: Kandinsky

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Vestido de primavera




Teço fios incolores
embora meu desejo
é por um vestido
com a atmosfera colorida
de uma primavera
esquecida com o inverso
um acinzentado
inverno encasacado.


Ilustração: WEB

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

ins (tinto/tante)




um instinto em um instante
antes: esfuziante vindo!
depois: indo ofegante...


Obra: Paul Klee

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

O desejo dos varais por um verão




O sol clareia tudo o que a escuridão ignora. São verdades inteiras escondidas pela estação oposta. Mofo nas paredes são os resquícios de frente fria após frente fria. Um verão fez-se necessário. Além do mais, o convívio com a cor cinza e suas nuances é tão cansativo quanto a espera dos varais pela secagem de casacos, que de tão pesados, quase caem. E esse “quase” existe pela misericórdia de pregadores, considerados tão bons, e ironicamente apenas cumprem sua destinada função. Além disso, a espera com a leveza e o excesso de cores é mais divertida, ainda mais quando acompanhada do canto das cigarras, responsáveis sempre em anunciar o fim de uma tarde quente.

Foto: Praia do Flamengo - Janeiro de 2008.

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Alguns domingos




A doçura dos dias de domingo
com a ameaça de chuva
que não passa de pingos.
O almoço que invade
o fim da tarde. Quase janta.
Um desejo de sabor infindo.

Nos azulejos engordurados:
uma santa. No som:
um antigo samba.
Em mim: alguém que ama
o simples e o bom
em abundância.


Foto: Escadaria da Lapa por mim.

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Nuances




antes era cor sólida
agora são nuances
eis a simbólica de ser ou não
no próximo instante


Foto: WEB.

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Uma pintura do interior e/ou um jardim sem flor




Ainda não estão amarelas
nem mesmo com o tom marrom,
de fim. De verde o pintor pincela,
ainda que sem dom, todas as folhas.
Talvez não perceba que a cor
é uma questão de escolha
interior do que expor.
A coloração entre a arte e o real destoa
no principio em gotas. No fim, no jardim
semeado por pincéis desencontrados
sem aroma de jasmim.


Ilustração: Foto da varanda da "Questa" photoshopado.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Pétalas despedaçadas




Pétalas despedaçadas
ainda são belas e exalam
fragrâncias, mesmo que brandas.
A beleza não pode ser exata.
As certezas apenas enganam.


Foto: WEB.

sábado, 1 de novembro de 2008

No salão




Foi um sopro fresco
no lado oco
e sem jeito
do meu coração.

Não percebo
o quão sólido
ele tornou-se
quando perdeu razão.

Não esqueço
o refrão impróprio
e sem ritmo
daquele salão.

A disritmia desfez o medo
e os passos melancólicos
daquela dança infantil
e sem inspiração.


Obra: nome na própria.