quinta-feira, 30 de julho de 2009

Uma revira(re)volta




Ódio que corrói...
Estou como ferrugem
que só sucumbe
quando destrói.
Desculpe.
Mas na minha história
uma reviravolta
que muito dói.
É que o vilão de agora
era meu herói.


Desenho: Vicente.

domingo, 26 de julho de 2009

"Evolição"




Ele sempre esteve certo.
Mas essa parede de certeza
não a protegia.
Nem o teto a deixava seca
enquanto chovia.
Então demoliram juntos
e viveram separados.
Anos e construções mais tarde,
alguns enganos e uma verdade:
Ele sempre esteve certo
em achar que estavam errados.


Foto: Maria Ivone

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Debaixo do temporal




A indiferença é uma prática árdua diária. É como estar encharcado debaixo de um temporal e fingir estar numa situação absolutamente normal. E esquecer da água com leptospirose nos pés e todos os papéis guardados na bolsa de pano que não podiam molhar. Para quem assiste a cena, do alto de uma janela e com os pés secos, são como detalhes. Mas para quem coloca os pés na poça, são sensações ruins do tamanho de um oceano. Uma inundação de desconfortos. Ás vezes a vida nos obriga a passar por eles. Às vezes não, quase sempre. Geralmente no verão, onde por ironia temos mais sol e calor e imploramos por chuva. Mas esse desejo não faz de um dia com temporal uma situação menos anormal para exercermos melhor a prática da indiferença. É sempre árdua mesmo.

Foto: Karina Bertoncini

terça-feira, 21 de julho de 2009

pés nunca serão raízes




o outro lado da montanha
se acanha
quando alguém o pisa

passos tiram o sossego
ocupam espaço
e comportam-se como visita

os moradores mesmo
são as raízes imóveis
que movem o começo da vida


Foto: Isabel Gomes da Silva

incerteza irresponsável




a incerteza que não cabe
de tão pequena
de tão leve

nem vale pena
guarda-la
por menor que seja
a caixa

mas é inevitável que escape
o invisível é irresponsável
e facilmente se espalha


Ilustração: Sofia Morgado.

quarta-feira, 15 de julho de 2009

A tarde




Era para ser apenas mais uma tarde. Não foi. Com ele nunca é. Companhia mais agradável não há. O engraçado é que na infância eu o considerava lento demais e confesso que isso me cansava um pouco. Mas hoje percebo que a agitada era eu. Na verdade ainda sou. A minha única evolução é ao menos sentir desejo de possuir a mesma calma e paz. Não é à toa que escolhi, ainda que inconscientemente, uma pessoa bem parecida para compartilhar a vida. Sim, eles são bem parecidos. Porém essas semelhanças e conhecidências não foram o que me levaram a começar esse texto. Foi a tarde de ontem. E nela estavam: eu, meu avô e o Centro do Rio de Janeiro. E entre uma obrigação e outra couberam muitas explicações sobre história, conversas, goles de suco de laranja americana (a mesma que ele tomava quando jovem na Travessa do Ouvidor), presentes divinos e mundanos e a ida ao Municipal que completava cem anos. Fomos apenas na porta, mas já foi o suficiente para terminar o passeio com chave de ouro. Na verdade com fotos na frente da águia de ouro. Mas como nada é perfeito, na bolsa estava apenas a câmera do celular. E apesar de amar a fotografia, confesso que nem era preciso o uso dela. Momentos como esse são registrados para sempre. Com ou sem tecnologia. Era preciso apenas estar ali.

Foto: Mãos dele.

sábado, 11 de julho de 2009

uma falta




Não é uma falta de ar
Mas é uma falta
Não desespera
mas causa
uma espera
exausta por algo
que salve a alma
dessa inércia
que te tão calma
estressa


Foto: Carlos Rocha

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Consumir pelo avesso




Sempre me interesso pelo avesso. Aprecio a costura, as linhas, os nós e as estampas ao contrário. Como está na vitrine é óbvio demais. Mas os olhos te todos os passantes, inclusive os meus, captam e logo consomem. Tornou-se tão banal esse processo. É a banalidade do consumo no qual o porquê e o pra quê nunca estão presentes. Hoje é difícil consumir sem se auto-sucumbir para tornar-se o que está do outro lado do vidro ou no folheto de anúncios. E isso de maneira nenhuma é uma mera crítica. É de fato uma autocrítica. Linhas gastas especialmente para mim. Linhas essas no sentido amplo da palavra. Admito encontrar nós, costuras erradas e excesso de linhas de vez em quando. Mas é tudo culpa minha. É quando consumo sem atentar nos avessos que tanto me interessam. Não se deve nunca perder os reais interesses de vista.

Foto: WEB.

quinta-feira, 2 de julho de 2009

névoa triste




tristeza leve
como névoa
apenas serve
para embaçar
manhãs como essa
tão alegres de sol


Foto: Júlio Fernandes